Entre o espanto e o horror, passei a semana a achar que o reality show "O Grande Dador" abria uma nova era televisiva: fazer entretenimento com uma doente terminal que tem de escolher, entre três candidatos, a quem doar um rim, parecia-me coisa para cruzar todas as barreiras do bom senso.
No último minuto, a estação de televisão, BNN, na Holanda, anunciou que afinal, era tudo invenção. Não havia doente terminal e não havia rim. Só os doentes a precisar de transplante eram reais. Objectivo? Segundo a produtora, a Endemol, lançar o debate sobre a falta de orgãos para transplante.
Mal pude respirar de alívio por pensar que a ordem se mantinha. Porque agora sim, acho que se abrem novos tempos: programação que intervém directamente na realidade e que cria acontecimentos para lá de si própria.
Não é que isto seja novo, bem sei. Os reality shows (uma especialidade da Endemol) sempre se alimentaram das histórias geradas pelos seus protagonistas, proporcionando as condições (uma casa, por exemplo) para que algo acontecesse. Mas havia sempre factores variáveis que nem a produção mais precavida podia antecipar.
Ao contrário, em "O Grande Dador", a protagonista, a mulher doente, nem sequer precisou de se mostrar. A ideia foi suficiente para gerar interesse. Tanto é assim que jornais e televisões fizeram notícia com o impressionante programa que aí vinha. E hoje a manchete do "Diário de Notícias diz: "Falham 50 transplantes por ano".